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terça-feira, 26 de julho de 2011

Despertar: Primeiro Capítulo

:Atenção amigos, pois tenho um recado muito especial para aqueles que curtiram as aventuras por detrás do Véu, vibrando e se envolvendo com as paixões e desafios impostos à Ian e Ana. É que finalmente, depois de muito matutar a respeito da possibilidade da história,  começa a sair do forno "Despertar", o livro que contará da vida do mago atemporal Ian, que conquistou a internet brasileira. Nele, as trajetórias de Kalish, Lucien e outros segredos e conflitos que marcaram o jovem mago durante seu despertar para o mundo mágico estarão revelados. 
Espero que venham a curtir a leitura tanto quanto eu estou curtindo escrever. E  como ainda não está pronto, disponibilizarei aqui no blog uma pequena prévia, com o prólogo e o primeiro capítulo. 
Gostaria que me dissessem o que acharam.
Abraços
Willian Nascimento



Dois meses se passaram desde que tudo começou. Chegou enfim à hora de decidir. A escolha não é difícil, mas executá-la é quase impossível. Apesar de minha pouca idade – pelo menos no que diz respeito à fisiologia – já tenho maturidade moral o suficiente para saber que não deveria ter permanecido ao lado daqueles que amo por tanto tempo. Correndo o risco de cometer uma loucura, de deixar que eles vissem quem realmente eu sou. Pois mesmo quando tudo começou, quando eu ainda pouco sabia o que acontecia comigo, quando estava vulnerável e perdido, ainda assim, naquele momento, podia pressentir que algo estava errado, que nada de bom poderia ter saído de minha insistente empreitada em descobrir a verdade por detrás daquelas lembranças anistiadas.
Tenho de ir embora, contudo, paro para escrever esse relato. Escrevo por que... Bem, talvez com a esperança de que essas linhas sirvam como purgação de toda a rede de acontecimentos que me atacou nesses dois meses. Talvez, quem sabe, escrevendo essas memórias, meu cérebro ache viável apagá-las de seu armazenamento, já que possuo todo um back up no disco rígido de meu computador pessoal. Anotar para esquecer, assim como anotamos o número de telefone que não queremos gravar de cabeça, ou o compromisso que sabemos que não conseguiremos memorizar em tempo. Tudo isso, na vã esperança de poder retornar ao estado de ignorância em que estava e que fiz questão de sair, mesmo contra a vontade de Solange e de Pandora e, de forma inconsciente, de mim mesmo.
Escrevo assim, para esquecer, mas não só por isso. Escrevo para ganhar tempo, para poder aproveitar esses últimos momentos com minha mãe, com meus amigos de bairro. Esses últimos instantes em que poderei fingir ser um garoto normal, como fingi sem sequer perceber que o fazia...
E hora de começar... Se um dia alguém encontrar este arquivo, que se sinta bem vindo a entrar em meu mundo, embora, avise desde já, que pode não gostar.
Meu nome é Ian Gomes, e essa é minha aventura por detrás do Véu...

I – Despertar


Era a primeira vez naquela semana, mas a quinta do mês e talvez a centésima desde que havia completado quatorze anos. O mesmo sonho, na mesma floresta congelada, com o mesmo céu nublado cobrindo todo o horizonte à frente. Eu corria pela neve macia... Ou melhor, eu cavalgava por ela. Meus quatro membros tocavam o chão com uma destreza apenas comparável à dos melhores cães de corrida. E por falar em cães, eis o que vinha atrás de mim. Em meu encalço, lutando para acompanhar meus rápidos movimentos, um lobo branco de belos olhos azuis arfava pesadamente enquanto suas patas atacavam freneticamente o chão na tentativa de acelerar os passos. Estávamos em sintonia naquele momento. Poderíamos até dizer que éramos um. Cúmplices de um momento que era só nosso.
À frente, nosso destino nos aguardava. Cravando as mãos com firmeza no solo, freei bruscamente, parando sentado à beira de um barranco. Meu amigo também parou, respirando de forma forçada, aparentando felicidade em finalmente poder parar de correr. Eu cocei suas orelhas e ele arrastou a cabeça peluda em meu corpo, exigindo um carinho mais digno de uma perseguição tão desleal. Ri bastante enquanto ele lambia meu rosto, me sujando de saliva. Ainda brinquei de fingir que o estrangulava quando nossa disputa para decidir quem era o macho alfa da situação teve de ser interrompida pelo espetáculo que tanto ansiávamos e viemos de tão longe prestigiar.
O céu, até então cinzento e mórbido, agora estava completamente diferente. Nele, uma onda verde esmeralda, que cobriu todas as nuvens, inundou a paisagem, tingindo tudo e inundando o ambiente de vida. Ficamos estupefatos, eu e o lobo, admirando o fenômeno que não sabíamos denominar, apesar de hoje saber que se chama Aurora Boreal.
— Sabe irmão... Vou sentir saudades destes momentos. — disse para meu companheiro, que apesar de nada responder, eu sabia que havia entendido. Seu silencio para comigo não se devia a falta de comunicação, mas sim por entender que o nosso momento chegava a uma situação tensa — Vou sentir saudades de você.
Suspirei profundamente, tentando apaziguar a saudade que previamente sentia, e ele me lambeu no rosto. Desta vez, não tinha a intensidade e a euforia do fim da perseguição. Este era mais sereno, sério, como um beijo de despedida que tenta desejar o melhor para alguém que vai partir, apesar de a separação lhe causar muita tristeza.
— Obrigado.
Nesse momento, fomos novamente interrompidos por mais um show da natureza, que parecia inspirada por aquele momento de cisão. Os flocos de neve, que antes eram pequenos e quase invisíveis, agora caiam de forma mais volumosa, tornando até mesmo visíveis seus cristais de gelo a olho nu. Senti-os atingir meu corpo, queimando-o levemente de tão gelados. Essa era a minha deixa. Não do ambiente, mas de meu próprio sonho. Pois como sempre acontecia este ponto em que eu acordava, transformando a floresta, o lobo, a neve, tudo, de volta em meu quarto no Rio de Janeiro. Num país quente, úmido e tropical. Totalmente o inverso de minha floresta encantada.
Mas este despertar me aguardou uma pequena surpresa, que começou com mudanças gradativas na transição entre sonho e mundo real. Se nas experiências anteriores eu apenas começava a ver tudo de forma embaçada conforme as imagens eram substituídas com a abertura dos olhos, neste, a primeira diferença que senti foi como a intensidade com que eu era atingido pela neve aumentou de força, de suave e fofa, passando a ser mais grossa e intensa. Gotas pesadas agrediam meu corpo. O chão macio agora se tornava duro, muito diferente de meu aconchegante leito. Mas uma coisa permanecia: o frio.
Abri os olhos, para logo depois querer fechá-los novamente devido a claridade potente do poste de luz que se colocava acima de mim. Ergui-me bruscamente, pondo-me de pé num susto. Eu estava molhado, estava com frio, estava só. Mas o pior de tudo: não estava onde devia estar. Olhei em volta e fiquei feliz em reconhecer onde me encontrava. Todavia, esse estupor de contentamento não pôde durar muito, pois eu não fazia ideia de como havia parado lá. Os bancos, os brinquedos, o coreto. Eu me encontrava na praça próxima a minha casa, a umas cinco quadras de minha rua. Mas como havia chegado lá? Olhei-me e percebi que ainda vestia apenas a bermuda com a qual fui dormir naquela noite, deixando assim boa parte de meu corpo exposta a agressão da forte chuva que caía implacavelmente. Estava nervoso, com um pouco de medo, mas acima de tudo, completamente perdido.
Estava cheio de perguntas, só não havia ninguém à minha volta. Então, qualquer resposta que quisesse, não encontraria ali. Era hora de ir para casa. Não queria perder tempo, então corri com os pés descalços pelo asfalto molhado, sem sequer olhar em volta e dar a chance de me envergonhar por estar correndo sozinho e seminu por uma rua deserta de uma madrugada chuvosa. Rapidamente cheguei em casa, sem estar sequer cansado do tamanho exercício. Tentei abrir meu portão e me deparei com ele trancado. Praguejei alto, vendo que teria de pular o muro para entrar. Aproveitando-me da euforia, trepei nas paredes sem pestanejar, e com certa facilidade cheguei ao outro lado. Ao fazer isso, quase caí em cima de Xena, minha cadela que, provavelmente, ouvindo meus passos de longe, pôs-se a me esperar próxima do muro, mesmo que isso significasse tomar um belo banho de água gelada.
Antes mesmo que ela pudesse latir de contentamento, eu pus a mão em seu focinho, ordenando que se calasse. Sem precisar repetir o comando, ela me obedeceu. Às vezes eu ainda era capaz de me surpreender como aquela labradora de cinquenta quilos, traquinas e completamente hiperativa era capaz de me obedecer tão facilmente, enquanto meus pais sofriam para fazê-la simplesmente parar de pular em cima deles atrás de carinhos e brincadeiras. Sem pensar mais nisso, pedi que ela entrasse, e foi o que ela fez, abrigando-se dentro de sua casa de cachorro que ficava protegida debaixo da telha do quintal dos fundos.
Muito bem, minha cachorra já se encontrava devidamente abrigada, agora faltava apenas um elemento: eu. Como suspeitei, a casa estava trancada. Curioso, olhei em torno atrás do local por onde eu poderia ter saído. Vendo aberta apenas a janela de meu quarto que ficava no segundo andar, descartei a possibilidade de um salto mortal, embora pudesse jurar por todas as coisas sagradas que havia trancado bem aquela janela antes de dormir.
Dei uma volta pela minha residência, procurando uma forma de entrar em casa sem que isso significasse acordar meus pais, que provavelmente perguntariam o que seu único filho, aparentemente saudável no físico e na mente, fazia no meio da chuva vestindo apenas um short. Por sorte, encontrei uma janela dos fundos trancada de forma desleixada. Com um pouco de força e boa vontade do destino, consegui forçá-la a se abrir e me deixar entrar na área de serviço. Lá dentro, tirei o short para evitar molhar toda a casa e me sequei com uma toalha que se encontrava no secador de roupas.
Rapidamente, tratei de percorrer o caminho que me levaria a meu quarto, tomando todo o cuidado para não fazer barulho. Entrei e fechei a porta, podendo finalmente respirar de forma adequada. Sentei no chão, cansado. Mas também quem dera. Havia sido um grande esforço o que eu havia empregado naqueles poucos minutos. Uma corrida pela rua molhada, um salto bem sucedido pelo muro de dois metros que cercava minha casa, e uma prova de força ao abrir a janela semi emperrada que me permitiu adentrar o recinto. De fato eu estava em uma excelente forma. Talvez as doses extras de comida que eu estava ingerindo estivessem ajudando. Afinal, meu apetite nunca antes esteve tão atenuado quanto naquelas últimas semanas.
Recuperando-me da adrenalina, me ergui do chão e fui até a janela. Olhando para a rua, consegui me imaginar nitidamente pulando pela janela e aterrissando no meio do asfalto. Por alguns segundos, eu cheguei a pensar que aquilo era possível, pouco antes de rir da estupidez de meu pensamento. Fechei novamente a janela para parar de pensar em besteiras e fui vestir roupas secas. No fim, deitei-me na cama mesmo não acreditando ser capaz de dormir devido a tentas perguntas que assaltavam a mente. Mas o sono chegou.
Ao olhar para o relógio ao lado, vi que eram quatro da madrugada. Amanhã acordaria cedo, para a última aula antes das férias de meio de ano. Dentro de uma semana seria meu aniversário, quando completaria quatorze anos, mas confesso que não aguardava a data de forma muito ansiosa. Minha mãe provavelmente me obrigaria a fazer uma comemoração e eu aceitaria sabendo que não adiantaria nada contrariar. Enfim, seria mais um dia comum em casa. Pelo menos era isso que eu esperava e eu não podia estar mais enganado.
Antes de cair nos braços de Morfeu, passei a mão no rosto, ainda conseguindo sentir o toque da língua do lobo. Era muito estranho. O mesmo sonho, de forma tão repetitiva. No começo, era confuso e passava em minha cabeça de forma fragmentada. Agora, porém, se mostrava tão nítida, que me dava a real impressão que estava de fato vivento aquelas situações. E mais preocupantes que eles só mesmo os ataques de sonambulismo, que começaram há duas semanas. Primeiro eu acordara em meu quarto, deitado ao lado da cama, ou na minha suíte, dentro da banheira. Depois, passei a andar pela casa e acordar deitado no sofá, ou no chão da cozinha. Mas naquela noite, eu não só havia saído de minha residência como havia caminhado pelas ruas da Vila da Penha por cerca de vinte minutos. Isso, é claro, contando que eu tenha feito um caminho único em passos moderados.
Sem dúvidas aquilo tudo era muito estranho. Todavia, eu sabia que não encontraria as respostas aquela noite, naquele quarto e em tais condições. O amanhã seria um novo dia e eu poderia pensar melhor no assunto. Bocejei. Os olhos foram pesando e eu nada mais senti, quando o mesmo sonho se repediu, da mesma forma, com a mesma nitidez. Ainda bem que, para variar um pouco, eu havia despertado em minha cama na manhã seguinte.



terça-feira, 19 de julho de 2011

História: uma mistura de fantasia e ciência

Alguns de vocês devem saber que além de escrever novelas, contos e romances de fantasia contemporânea, também estou me graduando em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Apesar de aparentarem serem coisas distintas – uma ciência, e uma arte; uma que busca a verdade, e outra que se baseia na imaginação; uma presa a um método, e outra livre para alcanças os mais distantes mundos – essas duas instâncias que regem atualmente a minha vida tem muito mais em comum do que podem fazer supor. Isso porque, a História também, além de ciência, pode ser entendida como uma manifestação artística.
Depois de quase dois anos escrevendo, esta é a primeira vez que me dedico a falar um pouco desta minha outra maneira de escrever. Daquela que me liga aos meus estudos acadêmicos. Acredito, na verdade, que nunca falei sobre minha formação em História de forma direta aqui no blog porque não achei necessário. Pois grande parte das minhas reflexões acerca dos temas propostos aqui no Por detrás do Véu, são, antes de mais nada, pensamentos que esta velha senhora me ajudou a proporcionar. Nunca falei de história, pois quando falava de literatura, de forma implícita, também estava falando dela. Isso porque, como já enunciei anteriormente, História também pé literatura, na medida em que história também é arte.
Apesar de todo o rigor científico, da busca por documentação, do senso crítico e da tentativa de objetividade, a verdade é que a verdade que os historiadores tanto buscam nunca é alcançada em sua plenitude. Sempre está faltando algo quando o assunto e tentar entender o que realmente aconteceu no ontem. Tudo o que temos do passado são resquícios, sinais, indícios de como as coisas eram, e nunca espelhos de como os homens de antes realmente agiam, pensavam, sentiam. E é nesse déficit que a imaginação entra na vida do historiador. A única forma de nós hoje, através de pequenos resquícios, sejam eles um documento, uma cerâmica, ou mesmo alguma construção que sobreviveu ao tempo, conseguirmos algum tipo de compreensão sobre os nossos ancestrais e nos valendo de uma boa dose de imaginação.
Uma imaginação criativa, tal como é a da literatura. Uma maneira de transformar pequenos pedaços em uma compreensão completa do que aconteceu. Tentar, na medida do possível, entender como era a vida para os homens de uma determinada época, que viviam sobre certos valores e dividiam o espaço com realidades que são completamente diferentes das nossas em pleno século XXI.
Na mitologia grega, as musas eram as responsáveis por servirem de inspiração aos poetas trágicos. Clio era a musa da história, logo, ela também criava sua arte através das narrativas do passado.
A fantasia cria, e a história também. Cria uma forma de dar sentido ao mundo, atribuir nexo as coisas do passado, procurando construir o sentido que levou o mundo a o que ele é hoje. Nesse sentido, a História, assim como a literatura, mimetiza a realidade do passado, como maneira de conseguir expor para nós hoje como as coisas eram. Contudo, assim como nenhum literatura pode ser completamente realista, sendo capaz de copiar perfeitamente o mundo, a história também não.
Mesmo com todo o rigor e toda a cientificidade da qual ela se quer valer, ainda assim estamos longe de construir um espelho do mundo. Pois mesmo um espelho, com sua capacidade de refletir toda uma imagem posta diante de si, ainda assim a representa de forma invertida, oposta e que logo não é fidedigna em sua inteireza.
A fantasia me ensinou muito acerca de como se escrever história. Pois não escrevo a fim de propor verdades absolutas quanto aos homens de ontem, mas sim tentar construir, tal como faço em meus romances, uma forma diferenciada de olhar o mundo, de representá-lo. Não copiando a realidade, e naturalizando conceitos e preconceitos dos quais o nosso mundo já está repleto, mas sim desconstruindo essa verdade da qual nós temos toda a certeza, e assim, propondo uma nova forma, uma nova possibilidade de olhar para a nossa condição.
Esher foi talvez aquele que conseguiu mesclar de forma mais feliz a arte e a ciência, trazendo noções de óptica, perspectiva e luz para seus desenhos


Sei que ficou confuso, mas eu não tinha outra forma de expressar com maior precisão essa imprecisão que é lidar com arte e ciência ao mesmo tempo.

domingo, 10 de julho de 2011

Leitura e Reflexão: Veronika decide morrer, de Paulo Coelho

Os livros de Paulo coelho, sempre que lidos, me fornecem coisas para pensar. Não somente com temas ligados a espiritualidade, campo primário de interesse do autor, mas também com relação a sua própria recepção no cenário atual. Não é novidade para ninguém, que Paulo Coelho é um dos autores mais lidos no mundo, talvez um dos poucos que conseguiu colocar a nossa literatura no mapa da produção livresca mundial. Na França, inclusive, existem até mesmo grupos de estudo nas universidades voltados à análise de suas obras. Contudo, apesar de toda essa projeção, no Brasil, insisti-se em se praticar o ostracismo com relação a este letrado.


O livro escolhido, “Verônika decide morrer”, é apenas um dos que poderiam ser citados para fins desta avaliação, contudo, tome-o como escolha por se tratar de minha obra favorita do “mago”. Veronika é uma garota normal do final do séc. XX. Com independência financeira, vida estável e beleza admirável, ela tem todos os elementos necessários para ser chamada de uma mulher feliz. Apesar de solteira, não está sozinha, possuindo amigos e até mesmo amantes quando a vontade chama. Contudo, ela decide morrer.

É nesta escolha que o desenrolar da trama se desenvolve, partindo de sua tentativa frustrada de suicídio com a overdose de remédios para dormir, que não foi capaz de levá-la a morte, mas apenas de danificar seu organismo deixando-a com cinco dias de vida, chegando até sua internação em um centro para loucos, onde o contato com aquela forma de existência paralela lhe faz questionar o mundo em que sempre viveu e as escolhas que sempre tomou.

Mais importante do que a dicotomia entre vontade de morrer contra desejo de viver, acredito que loucura e razão sejam os elementos chave do romance. É através da experiência da personagem principal em Villete, nome do hospício em que se encontra internada, que algumas questões do nosso admirável mundo moderno são postas em xeque, questionando isso que chamados de normalidade, racionalidade em contraste ao mundo da loucura e das emoções.

A pergunta elementar: “quem são os loucos?” A resposta: “não se pode dizer”. Michel Foucalt trouxe também esse tipo de problemática ao apresentar ao mundo sua “História da loucura no ocidente”, onde o tema da loucura e a construção dos hospícios foram utilizados como forma de engrenar todo um jogo de poderes que tentam se estabelecer em nossa sociedade. A razão, nesse sentido, tanto quanto a loucura, foram construções que se fizeram na tentativa de se tentar estabelecer o que é normal do que não é anormal, de separar a ordem do caos, o apolíneo do dionisíaco.

Quantas coisas daquilo que dizemos normal, são na verdade convenções. Atributos de um comum acordo que não necessariamente partem de uma essência humana ou divina, mas sim dos interesses de uma maioria interessada em estabelecer a sua ordem. Quando pensamos desta maneira, podemos então relativizar aquilo que temos naturalizado em nossas cabeças, que condena práticas inofensivas que fogem a nossa maneira de entender o que é certo e errado.

Com esta deixa, entro agora no segundo ponto de minha “Leitura e Reflexão” de hoje. Pois observando meus artigos anteriores, em que trabalhei um romance contemporâneo alemão “O Leitor”, e um clássico da literatura estrangeira, “O Médico e o monstro” de Stevenson, além do excelente personagem do cartunista Ziraldo, “Jeremias o bom”, podemos ver que assim como estes, “Veronika decide morrer” de Paulo Coelho é capaz de gerar um rico material para se pensar, tal como qualquer livro estrangeiro.

Mas ainda assim, se formos perguntar para as pessoas nas ruas o que elas acham de Paulo Coelho, estas ainda vão dizer que se trata de uma literatura popular, de baixa qualidade. Aqueles que acompanham meu blog sabem o que eu penso desse casamento ilusório que insiste em se estabelecer na mente das pessoas, que vincula literatura popular, ou comercial, a livros de baixa qualidade. Uma coisa não implica necessariamente na outra. Aqueles que gostam de criticar o trabalho do mago, costumam apontar seu caráter espiritualista e seu teor de auto-ajuda. Todavia, sempre que me falam disso eu não consigo deixar de pensar no sucesso que livros como “A Cabana”, de William P. Young e até mesmo “O símbolo perdido” de Dan Brown (que por incrível que pareça também traz muitos teores dessas naturezas), fizeram no Brasil.

Acho que não mistério algum que eu curto sim este autor. Gosto de muitos trabalhos dele assim como também desgosto de outros. Mas não exatamente por isto que gosto de bater nesta tecla a respeito da aceitação de sua obra, mas sim porque realmente me incomoda esse destrato para com a nossa produção literária. Esse nosso “complexo de vira lata” que despreza tudo aquilo que é brasileiro em favor do internacional. É claro que sei que posso estar sendo injusto, pois tenho na minha cabeça muito claramente, que se Paulo Coelho fosse, ao invés de escritor, um jogador de futebol, a coisa seria bem diferente.