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domingo, 28 de agosto de 2011

Sinônimos

A língua portuguesa é, sem dúvidas, uma das mais ricas de todo o mundo. Possuímos à nossa disposição uma gama de palavras, categorias e conceitos que são capazes de conotar e denotar as mais variadas formas de experiência humana, permitindo-nos escrever e falar de maneira a dar o máximo de sentido aos nossos enunciados. Contudo, uma língua rica e complexa também possui suas armadilhas e estas se apresentam justamente em sua infinidade de expressões, que por serem variadas e apresentarem sentidos diferenciados, acabam por confundir um possível usuário e às vezes deturpar algo que queria ser anunciado.
Por exemplo, quando falamos de sinônimos, que são palavras diversas que possuem significados semelhantes na comunicação. Contudo, vale atentar para o fato de que palavras semelhantes não significam necessariamente palavras iguais. Logo, até mesmo os sinônimos possuem informações diferenciadas, mesmo que em grau muito pequeno, que modificam o conteúdo de uma expressão quando apresentada de forma errônea. E este será o tema central deste artigo. Mas antes de prosseguir, quero informar que tal reflexão pega como gancho inicial a discussão antes apresentada no artigo “Realismo”, onde eu trabalho o conceito de realidade, problematizando seu uso na contemporaneidade.
Pois assim como o termo realidade, que usado no singular acaba por impor um conhecimento universalizante e impositivo sobre aquilo que é verdade e aquilo que é mentira, outras categorias, quando mal empregadas, seja inocentemente, seja de forma proposital, acabam por trazer impressões que não necessariamente exprimem as coisas. Quando falamos de determinadas experiências humanas, por exemplo, temos de ter em mentes que elas são vividas de forma plural, que são sentidas e interpretadas de maneiras diversas por diferentes pessoas.
Esse é um problema que eu tenho de lidar a todo o momento em meus estudos de história. Pois o senso comum tende e querer simplificar os eventos humanos e procurar soluções pragmáticas e diretas para eles. Então, quando chegamos a questões como, “a revolução de 30, foi boa ou ruim para o Brasil?”, ou “quem é o vilão no caso dos conflitos da Palestina?”, temos de inserir outra pergunta para que possamos chegar mais próximos de uma resposta conclusiva: “para quem?”
Quando pensamos problemas desse tipo, que trazem juízos de valores para análise, temos que ter em mente a particularidade de cada experiência. Pois em casos como esses, é óbvio que no caso da revolução de 30 existiram classes interessadas em romper com a dita “republica velha” e outras que não gostaram da resolução, assim como se perguntarmos para um palestino e para um israelita sobre a guerra que se trava entre eles, cada um enunciará um determinado juízo de valores acerca do acontecido. Nesse sentido, na minha concepção, muitas coisas podem ser relativizadas e por conta disso, o termo “realidade” poderia ser substituído para sua forma plural, “realidades”.
Contudo, não nos limitemos a esse único elemento, pois o uso de sinônimos que não necessariamente significam aquilo que deveriam é muito comum na língua portuguesa. Tal uso errôneo às vezes se deve a uma falta de arcabouço vocabular daquele que enuncia uma frase, mas em outros casos significa certa intenção em deturpar determinada fala.
Correndo o risco de gerar polêmica, vou utilizar aqui dos vocábulos “preto”, negro”, “afro descendente” e “crioulo”. Podemos concordar que em determinados campos semânticos, estes são sinônimos. Contudo, sabemos muito bem que eles estão longe de significar a mesma coisa, dependendo do contexto em que são empregados. Da mesma forma, podemos pensar nos termos “homossexual”, “pederasta” e “viado”. E também “mongolóide” e “daltônico” ou “leproso” e “sofredor do mal de hanseníase”. Todos podem ser encarados como sinônimos, mas estão longe de significar a mesma coisa.
As palavras variam. Assim como uma mesma expressão pode conotar diversos significados, palavras diferentes, mesmo que sinônimos, devem ser vistas sob o ponto de vista de suas diferenças. Pois um uso errado, pode gerar um entendimento completamente distinto daquele que você queria trazer. E como solucionar tal dilema? Bem, neste caso, só existe uma maneira: estudar a língua.
Isso porque uma língua rica como a nossa não é apenas uma herança, mas também um fardo, que exige de nós controle e bom uso, tanto para não corrermos os riscos de sermos interpretados de forma errada, quanto para percebermos as armadilhas nas falas de pessoas, sejam elas ingênuas ou mal intencionadas, que podem nos fazer entender coisas que não condizem com as reais circunstâncias.
Sei que fui extremamente vago e impreciso neste post, contudo, este é um assunto amplo e complexo, que pretendo destrinchar em novos artigos e ensaios a partir das próximas semanas, trazendo novos exemplos e entendimentos onde esse uso das palavras se apresenta como um tema e um problema para qualquer pessoa que use das letras como ofício.

domingo, 14 de agosto de 2011

Realismo


Quantos de nós já não escutamos a seguinte expressão: “essa história mostra a realidade”? E quantos já perceberam que sempre que sempre que esta frase é lançada, está sempre associada à tragédia, desgraça ou degeneração? Coincidência?
É muito comum livros, filmes ou até mesmo músicas, que tratam da violência, das drogas, das perversões e outros malefícios presentes em nossa sociedade serem taxados de realistas e corajosos, pois são eles que mostram a verdade para o apreciador. E outros trabalhos de cunho mais “suave”, como romances-água-com-açúcar ou comédias são tratados como alienantes e falsos.
Pois bem, por incrível que possa parecer, essa reflexão me veio à cabeça depois de uma interessante discussão sobre “Malhação”. Isso mesmo, a novela teen da rede globo. Pois estava eu escutando alguns colegas afirmarem que não conseguem entender como as pessoas acreditam que jovens, em pleno o século XXI, possam se divertir indo a lanchonete local para tomar suco, ou então passarem pela vida escolar sem bebidas alcoólicas ou cigarros. Sem dúvidas, esta novela não mostra a realidade, pois a juventude universitária e de ensino médio não é assim. E foi neste momento que me veio o estalo.
Longe de querer defender a novelinha – que só para constar, não me agrada nem um pouco – devo dizer que eu, aos meus 22 anos, não fumo, não bebo, tenho como hobbies a leitura, o cinema, a saída com amigos para comer, onde tomamos refrigerante e suco, e não curto passar as noites em bares ou boates. Bem, pode não parecer, mas esse tipo de ser humano existe e não sou apenas eu, mas muitos de meu convívio social. E aproveitando para falar de violência urbana, devo dizer que eu, na minha infância, não sofri Bulling – palavra da moda ultimamente – e até hoje – com a graça da natureza - só fui assaltado uma única vez, sem armas de fogo e onde a única coisa que os assaltantes conseguiram me tomar foi uma barra de chocolate. É sério, não estou brincando.
Resolvi dizer isso de forma clara e franca, não querendo levantar a bandeira ou promover um manifesto em favor da caretice, mas sim por vontade de apresentar uma realidade: a minha. Pois o que noto é que realismo e pessimismo são conceitos que normalmente se confundem na cabeça das pessoas, e uma obra de ficção que trate de “conflitos menores”, como amor da adolescência, problemas familiares ou relação de amizade entre um homem e seu cão são vistos como inferiores, ao passo que aqueles que apresentam um quadro caótico, degenerado e destrutivo, são ovacionados pela crítica por sua coragem em descrever a vida como ela realmente é. Nada contra Nelson Rodrigues, mas é importante lembrar que as maneiras de se ver, sentir e entender, isso que insistimos erroneamente em nomear no singular de “realidade”, são plurais. Cada ser humano vai experimentar o mundo de diversas maneiras, passado por momentos bons e ruins que não necessariamente serão sentidos da mesma forma por outras pessoas.
O fato de eu não gostar de bebidas alcoólicas, por exemplo, não significa que o alcoolismo é um mito, como também não quer dizer que eu seja alienado ou algo do tipo, mas sim que a minha maneira de experimentar a realidade é outra de muitos outros que preferem se divertir através de outros caminhos. Assim como o fato de a violência existir, não significa que todo mundo vive com ela ás suas portas, pois podem haver aqueles sortudos que sequer tem idéia dela, que vivem afastados do rebuliço e só escutam falar de assaltos ou assassinatos através das manchetes de jornal.
Nesse sentido, falar de realidade no singular é muito perigoso, pois tudo o que podemos apresentar enquanto artistas – sejamos escritores, poetas, músicos ou atores -, são apenas faces desta grande verdade, que pode ser feia ou bonita, mas ainda assim é só uma parte. Posso assim dizer com grande margem de certeza que livros como “Um amor para recordar”, “Fala sério, mãe” ou “Marley e eu” são trabalhos que a meu ver possuem tanta capacidade de expressar “a vida como ela é” tal quais outros como “Clube dos homens bonitos”, “A elite da tropa”, ou “O Cortiço”. Pois todos eles mostram escopos dessa realidade. Ou melhor, escopos dessas múltiplas realidades que temos a nossa disposição.
Todas as manifestações artísticas mostram de alguma forma a realidade. Seja a do Brasil, seja a da África, seja a das pessoas mais carentes até as mais afortunadas, que não possuem preocupações. Todas as formas de se viver a vida são reais e não podem ser chamadas de ilusórias só porque em algum contexto, existe o oposto. O fato de haver violência não impede um indivíduo de experimentar a paz, assim como o ódio não produz a impossibilidade do amor. Esses conceitos antagônicos convivem no mesmo mundo sem se anularem, logo, não cabe a nós atribuir uma experiência como falsa, apenas porque ela não se apresenta em nossas vidas ou no mundo como um todo.
E até mesmo a fantasia, expressando aquilo que existe apenas em nossa imaginação, é também uma realidade. Uma realidade que pode não se apresentar de forma empírica no cotidiano, mas que ainda assim existe e tem como prova de sua veracidade o fato de usarmos e precisarmos dela para viver nossa existência no mundo.

domingo, 7 de agosto de 2011

O autor, o eu lírico. Vozes mescladas


Quem de nós seria capaz de diferenciar com clareza, aquilo que sai da boca de um personagem, e logo se trata de um discurso de ficção, daquilo que na verdade é um pensamento do próprio autor e diz respeito a veiculação de uma ideia? Lanço esta pergunta pois a partir de que momento podemos dizer que tal pensamento é apenas um elemento constituinte de um enredo, usado única e exclusivamente para dar sentido à história ou à uma personagem em específico, ou quando há as chamadas “entrelinhas”, aquilo que o autor, na verdade, queria dizer a seu público. Uma ideia pessoal, que por não conseguir ser expressada abertamente acaba por usar dos canais da literatura para ser lançada de forma oculta, protegida pelo discurso ficcional.
Não pretendo neste ensaio fazer apologias nem mesmo acusações, e peço desculpas se parecer em algum momento que minha dissertação beira a teoria da conspiração, pois este não é necessariamente meu objetivo. O que me chamou, na realidade, para esse tipo de pensamento foi algo ocorrido já a algum tempo, com relação ao livro de Monteiro Lobato, - “Caçadas de Pedrinho, que compõe a série “Sítio do Pica-Pau Amarelo”. Este, como todos devem saber, foi acusado de possuir conteúdo racista pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), devido tanto a algumas comparações feitas entre a personagem Tia Anastácia e um macaco, quanto por comentários maldosos feitos pela boneca de pano Emília acerca da cozinheira do Sítio.
Tal acontecimento gerou grande polêmica na mídia em geral e inúmeros partidos foram tomados, uns alegando ser Lobato um racista, outros não. Deixando as investigações a respeito da vida pessoal do autor de lado, pensemos apenas no “Caçadas de Pedrinho”. De que maneira, através de um livro, seja ele de ficção ou não-ficção, seríamos capazes de encontrar elementos cabíveis para determinar se uma ideia é ou não algo partilhada por um autor? Digamos, por exemplo, que meu personagem de ficção seja um agressor de mulheres: descrevê-lo e construí-lo significa que eu por acaso sou a favor de tal atitude? Afinal, não existem agressores de mulheres no mundo? Omiti-los na escrita seria uma forma de não veicular tal ideia, ou seria apenas censura? Outro exemplo: pretendo eu, como historiador, fazer uma biografia de Adolf Hitler. O fato de escolher tal ícone para meu trabalho significa necessariamente partilhar de suas ideias? Ou este personagem histórico, devido a seu alto grau de malignidade deva ser trancado nos porões de esquecimento da história, para que seus projetos não sejam vislumbrados por mentes fracas e corruptíveis?
Esse não é um assunto simples, pois saber exatamente os limites que marcam a censura do silêncio ético não são claros em nenhum momento. Hoje falamos muito de tolerância e respeito e este é sem dúvidas um horizonte que deve ser buscado. Mas definir até que ponto devem ser caladas ideias que, direta ou indiretamente, agridam tais projetos de futuro é ainda mais complexo.
Seria Monteiro Lobato um racista? Sinceramente não sei dizer. Não apenas lendo as “Caçadas de Pedrinho” pelo menos. Quando penso nesse autor, gosto de me lembra do grande intelectual e militante que ele foi. E uso de minha boa fé para acreditar que tais comentários desrespeitosos nada mais sejam do que a tentativa de traçar um perfil que existe em nosso mundo e construir personagens que são uma realidade em nossa vivência, trazendo veracidade ao romance. E caso os conteúdos racistas sejam de fato propositais e expressem o seu ideal, que pelo menos o bom senso dos leitores saibam vê-los apenas como literatura de deleite e não panfletos que ditem as regras de como devemos pensar.
Todos nós temos autonomia, tanto de expressar nossa ideias quanto a de acatar a dos demais. E é dessa dupla autonomia que nos valemos na tentativa de tornar a igualdade, étnica, religiosa, sexual, entre tantas, uma realidade. A ética que temos de não fazer apologia às coisas erradas é a mesma que aqueles que escutam tem, de não concordar com tais pensamentos. Seria ótimo se a arte fosse um campo da vivência humana autônomo e completamente desvinculado dos demais, onde o único interesse do artista fosse com sua estética. Mas a realidade não é assim.
A arte é criada no mundo humanos por homens de carne e osso, e como tal, vive entrelaçada a todos os dilemas políticos, sociais, econômicos e culturais aos quais a humanidade está submetida. Nesse sentido, o discurso ficcional de Lobato está sujeito aos mesmos jugos que qualquer outro discurso. Eu, particularmente, ainda prefiro pensar na ficção como um campo neutro nesse sentido, pois por mais que alguém mal intencionado venha a querer empurrar seus conceitos errôneos para mim, tenho a total ciência que posso valer de meu poder de decisão para acatar ou repreender tal apologia. E desta forma, deixo a literatura ter a sua voz plena e livre.