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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Palavras: entre a reprodução e a criação

Qual o poder das palavras? Seriam elas meras ferramentas que utilizamos como forma de narrar o mundo? É comum concebermos o poder da linguagem na sua dimensão de dar forma ao que percebemos com nossos sentidos. Descrevemos o mundo, o explicamos através de discursos e o reproduzimos com nossa voz e nossa escrita. Contudo, este é apenas um, e talvez o mais simples, trabalho que a narrativa tem a nos oferecer, pois mais do que apenas mimetizar o real, as palavras tem força própria, sendo capazes também de criar, elas próprias, realidades que vão além dos nossos sentidos.
E como isso acontece? Acontece, pois, nem tudo o que nós conseguimos pensar possui uma correspondência no mundo físico. Quando pensamos em coisas concretas, como cadeiras, árvores, pessoas e animais, nós podemos dizer que os conceitos que dão nomes a estas coisas são sim maneiras de descrevê-las, de nomear. Contudo, quando nos referimos a abstrações, aí o problema muda de figura. Pois a abstração não possui correspondência na realidade sensível a nós, mas sim são especulações de nossa imaginação, que tentamos, de alguma forma, traduzi-las a fim de ganhar entendimento. Neste processo, não apenas estamos reproduzindo uma verdade que está dentro de nós, mas sim conseguimos transmitir aquilo que está dentro de nós de forma a criar palavras que, ao fim e ao cabo, ajudaram a construir a realidade em que vivemos
Sei que está confuso, mas acredito que este exemplo possa elucidar: pensemos nos conceitos de belo e de feio. Ambos os vocábulos não existem na natureza como algo dado. Em cada parte do mundo, em cada tempo em cada grupo, as noções do que é bonito e do que é asqueroso, variam. Sendo assim essas noções são impossíveis de serem encontradas no mundo em sua inteireza. É desta forma que podemos conceber as palavras não como reprodutoras de uma realidade – visto que no caso da beleza, ela não existe como dado a ser analisado -, mas elas próprias criam uma realidade que nos atinge e constitui o nosso mundo. Todos nós somos capazes de dizer o que é feio e o que é bonito, pois estes valores já estão naturalizados em nossas vidas. Essas palavras já ganharam tal força que são uma realidade para nós, mesmo que estas não existam de fato na natureza. Quando dizemos que determinada pessoa é bonita, são nossas palavras que criaram essa beleza, pois elas são fruto de nossa intelectualidade.

Pensemos em outros termos e vamos problematizar as palavras “certo” e “errado”. Elas regem todo o código ético e moral de qualquer sociedade, mas não podemos dizer necessariamente que elas traduzem, descrevem ou representem algo que exista no modo como dado imanente. É correto agir assim, e errado agir desta maneira. Elas pautam a nossa vida, regem nossa existência e comandam a maneira como somos educados e educamos, mas elas não existem na natureza, não são possíveis de existir a menos que nós, seres humanos dotados de palavra, consigamos criá-las. Nós criamos para reorganizar o nosso mundo, para dar a ele uma cara que mais se pareça com a que nós queremos deles.
Palavras organizam o mundo, dão a ele um sentido. Elas o descrevem em determinadas situações, e o completam em outras, tudo isto é o poder da linguagem. É desta maneira que somos capazes, ao ler um bom romance, de nos transportarmos para dentro dele e sentir aquilo que os personagens sentem. Pois a literatura está criando um mundo para nós através de palavras, tal como nós fazemos o tempo todo, no nosso dia a dia, nomeando e inventando expressões que dêem conta de tornar a nossa vida mais fácil de compreender.

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