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terça-feira, 29 de novembro de 2011

Leitura e Reflexão: A loja dos suicidas, de Jean Teulé.


 
Sinopse
Imagine uma loja onde são vendidos, há dez gerações, todos os produtos possíveis e imagináveis para se suicidar. As opções são infinitas: desde bombons envenenados até balas de revólver e cordas de enforcamento. Esta é a famosa Loja dos Suicidas da família Tuvache. Determinada a manter sua tradição e excelência de atendimento e qualidade, essa pequena empresa familiar prospera na tristeza e no humor negro até o abominável dia em que surge um adversário impiedoso: a alegria de viver!

A minha leitura mais importante do ano de 2011 e talvez uma das mais relevantes de toda minha vida, “A loja dos suicidas” de Jean Teulé é também um mistério para mim. Mistério porque, ao contrário de outros, eu sinceramente não consigo ter uma real compreensão do porque este título me agradou tanto. Eu realmente gosto do estilo humor negro, no qual este texto se insere, e também achei genial a temática central – uma loja que tem por função fornecer instrumentos com os quais as pessoas possam dar cabo de suas próprias vidas, e dentre as tradições da família guardiã da loja, encontra-se a regra de nunca dizer aos seus clientes “Volte sempre” -, mas estes são ainda assim pouco para descrever o impacto que o trabalho me causou.
O fato é que o livro brinca com a temática da morte, transitando de forma inédita e perigosa entre o universo do sério e do cômico. A loja dos suicidas tem como temática a morte, que é um tema dos mais sérios em nossa sociedade, um verdadeiro tabu, contudo, tem um enredo próprio do humor, a partir do momento em que mostra uma família bastante grotesca para nossos padrões e que vive em um tipo de realidade que nos estranha. Todavia também, esta família realiza seu ofício de forma muito séria, argumentando em favor de sua causa e apresentando considerações bastante racionais do porque e do como se trabalhar com suicídios. Enfim, um livro estranhamente atraente.
Longe de querer ser um trabalho de autoajuda, daqueles que desejam mostrar que a vida vale a pena, mas sem também cair em um dramalhão digno de pena, em que tudo da errado, o romance de Toulé trilha um caminho cercado de humor refinado e cenários sombrios. Uma experiência que se pode dizer, sem sombra de dúvidas, artística. E é neste ponto que o entramos no centro da discussão referente a esta obra. Pois ao contrário de outros trabalhos, em que a temática, o enredo, puderam me ajudar a pensar coisas interessantes, esta obra, em sua singularidade, me fez pensar justamente por não me fornecer os instrumentos racionais necessários para explicar com palavras precisas o que me atraiu acima de tudo.
Quando falamos da experiência da arte, pensar nela única e exclusivamente como uma forma de divulgar conhecimento é no mínimo pobre. E também, pensar nela como única e exclusivamente uma maneira de mexer com nossas emoções, também não comporta, não se sustenta. A arte, a boa arte, é aquela capaz de atingir, mais do que apenas a razão e mais do que apenas afetar a sensibilidade, nos tocar também na emoção. E essa tríplice investida torna a boa experiência artística algo completamente difícil de descrever em palavras. A única maneira de realmente se saber o que é, é vivendo essa experiência.
O livro de Teulé, sem dúvidas, me ajudou a pensar dessa maneira, pois ele me fez viver uma experiência que foi ao mesmo tempo noética (1-racional), estética (2-sensível) e patética (3-emocional). Ele me ajudou a pensar (1) na temática da morte; a refletir acerca do suicídio, um tema bastante polêmico e que já mobilizou inúmeros debates e estudos. Ele me fez sentir (2) aquele frio na barriga, quando alguns problemas anunciavam-se para os personagens principais; me ocasionou risos incontroláveis quando uma situação completamente grotesca se anunciava; e ele também me tocou (3) fundo, quando a sombra da desesperança se apresentava em alguns dos clientes dessa estranha loja.
Enfim, uma experiência artística que posso chamar de completa, que me afetou o raciocínio, os sentidos e o coração e que por isso torna-se tão difícil de se traduzir em meras palavras. Só desejo um dia ser capaz de escrever assim.

domingo, 13 de novembro de 2011

Quem é melhor: Edgar Allan Poe ou Stephen King?

Antes de qualquer coisa, digo que, diferente do que o título faz supor, meu objetivo neste artigo não é responder a esta pergunta. Até porque, não acredito que o valor de um trabalho artístico possa ser tão facilmente delimitado, principalmente comparando gerações de escritores tão distantes como estes dois. Então, escrevo este artigo mais para contribuir à velha discussão acerca da qualidade atribuída aos clássicos e aos contemporâneos, pois está é ainda, e acredito que sempre será, um debate mal resolvido.


Basicamente, as duas posições do debate possuem argumentos bastante sólidos quando buscam defender seus pontos de vista. Àqueles que procurariam defender Edgar Allan Poe, alegando que este autor é melhor, vão provavelmente alegar que Edgar inaugurou o gênero do terror, que foi o grande mestre sem o qual Stephen King jamais poderia começar a escrever. Edgar é um clássico, e como todo bom clássico, na concepção de uns, é intocável. É aquele autor tão monumental que sua presença faz sobra ao presente, e os escritores de hoje nada mais podem fazer do que contemplar sua grandiosidade e, na medida do possível, imitar o grande mestre.

Em contrapartida, os seguidores de King poderiam alegar que, sendo ele um discípulo de Poe – usando até mesmo um trecho de seu conto “A máscara da morte rubra” como epígrafe de uma de suas obras primas, “O iluminado” – tem sim contas a prestar ao antigo mestre. Entretanto, King, mais do que apenas copiar o professor, este aluno na verdade o aperfeiçoou. Afinal, não é uma tendência o discípulo superar o mestre? E os leitores de King ainda poderão dizer mais. Poderão alegar que King, com seu estilo cinematográfico, é capaz de prender mais a atenção do leitor, de causar-lhe mais espanto e comove-lo mais do que o discurso ultrapassado de Poe.

O que posso dizer em um primeiro momento é que ambas as concepções estão absolutamente corretas. O fato de Poe ser um mestre não muda o fato de que King, ao aprender com ele, não seja capaz de aperfeiçoá-lo. Mas isso também não muda o fato de que Poe é o mestre e que muito do que King é hoje, deve-se à ele. Então como resolver esse impasse? A resposta: não se resolve.

Tanto King, quando Poe já são considerados pelos leitores de hoje como autores importantes da literatura estadunidense. Contudo, é um erro comum atribuir à esses “gênios” um caráter universal e eterno. Como se Poe pudesse ser Poe e King pudesse ser King em qualquer tempo ou lugar. Como se o gênio desses autores fosse tão iluminado que eles ganhariam reconhecimento e destaque independente de onde escrevessem.

Se King houvesse nascido no séc. XVIII, seu estilo dinâmico e cinematográfico jamais seria possível, pois este estilo é um estilo atual, que não era possível na época de Poe. Da mesma forma, se Poe, com seu romantismo, fosse escrever para nós hoje, ele, como um homem do século XXI que escreve como um autor da idade moderna seria considerado ultrapassado e desinteressante.

Uma coisa que os estudos em História me ensinaram foi que cada coisa tem sua historicidade, ou seja, cada ser humano, cada visão de mundo, cada tendência artística possui sua certidão de nascimento e, muitas vezes, seu atestado de óbito. Logo, cada artista, vai tentar atender as exigências do tempo em que ele é lido. Tempo este que poder ser o seu de vida, ou anos depois, quando algum curioso acabar desenterrando-o da cova do esquecimento.

King é um homem do presente, de um tempo em que o cinema está em moda, que o terror é algo muito mais dinâmico, cheio de sustos e efeitos espetaculares. Poe é um homem do XVIII-XIX, embebido do romantismo de seu tempo, do mal do século, das ânsias que paixões humanas. Ambos são homens de seu tempo, que escreviam para leitores de seu tempo, e ambos foram bons para seus tempos. Talvez a única vantagem que Poe tenha sobre King seja o fato de ele ter nascido primeiro, e isso o permitiu escrever antecipadamente à seu sucessor. Assim como a única vantagem de King seja a de ter nascido depois, e com isso, tido a oportunidade de ter conhecido o trabalho de Poe para ter uma base e assim firmar a sua própria forma de escrever, algo que Poe jamais teve a oportunidade.