Sigam-me os Bons

sábado, 10 de dezembro de 2011

Entre o riso e o sério

Normalmente, quando queremos atribuir o caráter de verdade ou de importância àquilo que fazemos, costumamos dizer que tal coisa é séria. E se algo não nos parece correta ou digna de atenção, perguntamos: “por acaso isso é brincadeira?” Em algum momento da história, o ocidente pareceu atribuir ao sério um caráter de importância, de algo que tem seu valor, que é digno de nota e que deve reger as atividades nobres da vida. Em contrapartida, o riso, o cômico, é apresentado como o campo da brincadeira, da leviandade e das coisas sem importância. O riso faz parte do universo popular, com suas festas, pulsões e subjetividades, enquanto o sério está no campo do trabalho, do pensamento e da racionalidade.


O livro de Umberto Eco, “O nome da rosa”, nos aparece como um bom exemplo desta tendência. Para aqueles que leram, ou ao menos assistiram ao filme, nota-se bem claramente ao final como o problema da comédia fazia parte da reflexão teórica dos pensadores da idade média. O riso, atribuído ao diabo, representa aquilo que um homem culto jamais deve fazer. Pois, de acordo com alguns teólogos da época, como Jesus nunca emitiu uma gargalhada e estas ao longo dos evangelhos só foram pronunciadas por aqueles que debocharam do Cristo na cruz, duvidando de sua santidade, logo o cômico nada mais é do que uma criação do Diabo. Uma maneira de afastá-los do caminho de Deus. Desta maneira, o fato de Aristóteles, um filosofo altamente respeitado na baixa idade média, ter escrito um tratado em que concebe a comédia como uma manifestação artística digna de reflexão filosófica, é alvo de preocupação. Pois ao homem erudito, segundo alguns, não deve ser permitido rir. Pois este o apresenta à descrença e trabalha com a mentira, a falsidade.

Tal pensamento pode parecer exagerado, mas se pensarmos o papel da comédia em nossos dias, seja no uso de termos como os expressados no início do ensaio, seja em alguns tratos que damos a ela, percebemos como esse entendimento ainda se mantém em nossa sociedade. Em nome do riso, basicamente se pode tudo. Uma ofensa não é ofensa se for piada. Uma palavra de mau gosto é aceita se vier revestida de brincadeira. Em nome do humor, basicamente podemos dizer que uma mulher feia deve agradecer ao ser estuprada. Acho que alguns devem saber do que estou falando.

O campo do riso esconde sim um pouco de descrença. Já falei isso em outro artigo – “Ceticismo e comédia” – pois um ser humano não é capaz de rir daquilo que ele considera importante ou verdadeiro. Contudo, o efeito do riso deve sim ser encarado como algo sério. Através da comédia, podem-se produzir coisas importantes. Pode se produzir uma mensagem crítica, uma mobilização social. Contudo, também se é possível manifestar comentários dos mais destrutivos e ofensivos.

Se á uma coisa que a personagem Coringa me ensinou, foi que o riso tem sim algo de muito sério. Sério em vários sentidos. Tanto por ter um lado obscuro e sinistro, como o do antagonista de Batman, mas também pode ser um grande produtor de conhecimento. Uma maneira de produzir um discurso intelectual que toda a pompa e todas as regras do discurso sério e científico são incapazes de fazer. A liberdade dada ao humor, assim como todas as liberdades aos quais nos oferecemos tem seus usos e seus abusos, suas potencialidades e seus limites, e desta maneira encarna o exemplo de uma faca, que nas mãos de um médico é capaz de salvar vidas enquanto que utilizadas por um assassino podem causar estragos no corpo e na alma de suas vítimas.

Neste sentido, proponho com este artigo/ensaio que façamos um manifesto em favor do riso. Um movimento intelectual que faça as pessoas olhares o humor sim como algo sério, tanto em suas capacidades quanto em suas implicações para a vida em comunidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário