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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Domínios do corpo: rir e chorar


Uma vez ouvi uma consideração que me deixou sinceramente pensativo. Foi em um curso sobre teoria da história na minha faculdade, ministrado pela professora Norma Cortes, em que em meio a uma discussão, ela disse: “fazer pessoas inteligentes chorar é muito fácil. O difícil é fazê-las rir”. Fiquei muito tempo pensando nisso e realmente gostei tanto do impacto que a frase me causou que tentei entender o porquê disso. Pois, apesar de concordar, não consegui estipular uma razão para isso acontecer.  
Normalmente temos o estereótipo do intelectual como alguém apático, e às vezes até carrancudo ou depressivo, sem nunca ao menos nos questionarmos o porquê dessa imagem. Num momento, cheguei até a pensar na coisa da alienação. Que as pessoas mais ligadas a um pensamento crítico estão atentas aos problemas do mundo e por isso acabam se tornando mais tristes, mas isso não deu conta. Primeiro, porque ser erudito e ser pessimista não são coisas que precisam necessariamente caminhar juntas. E em segundo, pois as pessoas menos engajadas política ou socialmente não necessariamente ignoram os problemas, mas simplesmente aprenderam a conviver com elas de uma forma que não necessariamente podemos explicar.
Então, pensando mais sobre o assunto, comecei a me questionar quanto aos livros de drama e comédia, em especial “Marley e eu” de John Grogan e “Opúsculo”, da Harvard Lampoon, para simbolizar um trabalho de cada vertente. De fato, a sátira de Crepúsculo, assim como muitos filmes de comédia, não me agrada. Sem querer ser arrogante ou pretencioso, mas sinceramente até me senti lisonjeado com a frase de minha professora, mesmo que aquela, naquele momento, não tivesse sido dirigida a mim. Mas deixemos isso para outra hora.
O exemplo dos livros é bom, pois são equivalentes: ambos possuem uma qualidade razoável, são voltados mais ou menos para o mesmo tipo de público. Contudo, o primeiro me fez debulhar em lágrimas no final e o segundo não me arrancou uma risada sequer do começo ao fim. E lembrando eles, realmente pude entender por que. Acho que todos aqueles que têm apego a seus animais de estimação vão entender. Afinal, você sabe que ele viverá menos que você, sabe que quando partir vai doer. Pois apesar de ele ser apenas um animal – o que numa hierarquia não é o mesmo que perder uma mãe, um pai ou um irmão – ainda assim você se prepara, pois o sofrimento causado é o mesmo. Enfim, apesar de todo e qualquer preparo, apesar de, quando você descobre que a hora está próxima de chegar, e com isso tentar se convencer de que é o melhor, que você poderá ter outro bichinho, enfim, depois de usar todos os argumentos racionais possíveis para não se afetar muito com a perda... Nada adianta, você chora como uma criança.
Acontece que realmente temos muito pouco controle de nossas emoções. Por mais racionais que sejamos, é difícil não nos sensibilizarmos. Ser um ser racional não significa controlar completamente a sensibilidade. E no nosso caso, nossa tentativa de ter o conhecimento de tudo através do pensamento lógico acabou nos deixando despreparados para apreender o mundo de outra maneira. Estamos acostumados demais a querer ter explicações plausíveis para tudo, treinar nossa capacidade cognitiva, de modo que nos esquecemos de treinar nosso lado afetivo. De preparar nosso corpo para as emoções da vida que não podem ser simplesmente racionadas. Afinal, não importa os esforços da filosofia e da teologia, ainda não chegamos a um consenso a respeito do sentido da vida e da morte. De modo que a perda de um bichinho de estimação é capaz de nos chocar de tal maneira.
Por outro lado, quando falamos do ato de rir através de uma piada, a coisa muda de foco. Eu confesso que às vezes reconheço a chatice de se questionar tudo. Não aceitar algo de bom grado e sempre se perguntar a respeito do sentido da coisa. E foi assim que aconteceu quando li “Opúsculo”. Não adiantava quantas idiotices os personagens faziam, eu sempre me questionava “mas é só isso?” “qual o sentido disso?”. Enfim, a verdade é que não havia sentido. Era simplesmente para você rir de um cara com uma camisa de mulher. Mas Aqueles acostumados a questionar tudo, não aceitam isso com facilidade, querem piadas que os convençam, que os obriguem a pensar. Por isso a tarefa de fazer rir se torna tão desgastante. Imagino que deva ser um saco contar uma piada para alguém assim. (risos)
Enfim, pessoas que prezam pela inteligência gostam de ser instigadas. Mas acredito também que isso não signifique que as pessoas que riem muito e choram pouco são simplesmente burras. Estas inclusive são muito capazes, todavia, possuem a capacidade de, em certos momentos da vida, de desligarem seu senso crítico para poder apreciar da forma mais simples possível a determinados momentos que não podem ser apreendidos pela razão. Se isso é ser melhor ou pior, não cabe a ninguém julgar. São formas de estar no mundo e de viver dia após dia fazendo o melhor possível para estar conectado à vida.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Resenha: O código da Vince, de Dan Brown


Esta foi uma das obras mais impactantes da literatura policial dos últimos tempos, trazendo para o autor juras de amor e ódio que, apimentadas pela mídia, serviram para projetar “O Código da Vince” a um patamar quase inalcançável em vendagem de livros. Os marqueteiros devem estar cem por cento satisfeitos.

Pois bem, deixando as polêmicas de lado, devemos admitir que o livro seja bom, visto que trata-se de um romance policial de ficção. E como tal, atende aos requisitos necessários: tem uma boa escrita, um ritmo eletrizante, deixa o leitor intrigado, e cada capítulo é um convite irresistível ao próximo. Um ponto forte para além do básico é a pesquisa realizada, somando ao trabalho conhecimentos de História, Antropologia, História da Arte e Simbologia de forma invejável.

A personagem principal, Robert Longdon, que nos parece auter ego de Brown, ao se tornar um dos principais suspeitos de assassinado de um importante curador do museu do Louvre, se coloca em uma caçada humana pela Europa atrás de pistas de uma antiga sociedade secreta e de um mistério milenar, que envolve os Templários, o Santo Graal e a figura do ilustre mestre Leonardo da Vince.

Um ponto que deve ser destacado e que empobrece um pouco a vasta obra de Dan Brown é o estilo fordista do autor. Chamo de fordista, pois, aqueles que já leram outros trabalhos do mesmo sabem que ele tem certa tendência a se repetir. Neste caso, Código da Vince trás consigo características que estão presentes também em “Ponto de Impacto”, “Anjos e demônios”, “Fortaleza Digital” e o último “O símbolo perdido”, tais como: um casal de protagonistas, onde a mulher, mesmo sendo a principal, ainda é deixada em segundo plano nos termos da aventura; um segredo mortal que a personagem feminina carrega sem saber; o casal principal se apaixona e termina na cama com a mulher em cima do homem tirando a roupa (sério, quando li isso de forma igualzinha em “Anjos e Demônios” e “Ponto de Impacto” tive de rir. Que falta de imaginação); o livro sempre começa com um assassinato; e o vilão (desculpem o spoiller) é sempre um traidor dos mocinhos que contrata assassinos profissionais.

Enfim, a escrita comercial e massificada é sem dúvidas o calcanhar de Aquiles de Bronw, mas que não desmerece as obras como boas histórias de ficção e agradáveis passatempos. Todavia, um conselho: se você busca este livro para saber a verdade sobre Jesus Cristo. Pelo amor de Deus, vai fazer algo de mais útil.

Resenha: Divã, de Martha Medeiros

Martha Medeiros é uma das vozes feministas mais importantes da literatura brasileira. Uma das primeiras autoras interessadas em explorar e divulgar o universo da mulher em suas obras. Todavia, o que poderia ser um verdadeiro “pé no saco” para qualquer leitor masculino, torna-se algo tragável e até mesmo compreensível, dado a habilidade da autora em combater o machismo sem necessariamente apontar e culpar toda a raça masculina pelos infortúnios da mulheres ao longo dos séculos. Algo que normalmente outras feministas fazem de sobra.
Narrado em primeira pessoa, o leitor toma o lugar de Lopes, psicanalista que tem de escutar durante as 170 páginas de Divã as loucuras e paranoias de Mercedes. Uma mulher de meia idade, divorciada, com filhos já criados e que recentemente começa a redescobrir os prazeres que julgava enterrados para sempre.
Entre amantes cada vez mais novos, amizades importantes e lições e aprendizados que obtém seja através de outros, seja por via de suas próprias reflexões, a personagem principal vai traçando um mapa de autoconhecimento que acredito tocar a fundo grande parte dos leitores desta obra. E mesmo aqueles eu não possam se identificar completamente com a personagem, seja pela sua idade, ou por seu sexo, ainda sim poderão se condizer dela se encararam o trabalho de mente aberta.
“Divã” é sem dúvidas um trabalho agradável, com uma escrita suave e bons momentos de humor e drama. Uma leitura ágil, mas que permite momentos de reflexão, com monólogos passados, mas que não se deixam cair completamente em clichês. Um livro que vale a pena ser lido, seja por homens ou mulheres, que queiram ou não explorar o universo feminino. Na verdade, um aviso é importante ser deixado para aqueles que procuram a obra de Medeiros atrás de respostas para problemas pessoais ou de suas cônjuges: desista. Pois nenhum autor, por melhor que seja, poderá dar tais soluções.

Resenha: Onze Minutos, de Paulo Coelho


Este é um dos meus trabalhos favoritos do “Mago”, que repudiado pela intelectualidade brasileira, merece certo destaque pelas riquezas que traz em suas obras. O livro nos conta a história de Maria, jovem do interior que em uma guinada na vida tem a chance de conhecer a Europa e viver uma vida de estrela de cinema. Esta, como todos devem saber, é uma armadilha comum, na qual muitas meninas inocentes caem, sendo levadas para longe de seus países e traficadas no exterior. No caso de Maria, não foi diferente. Enganada, vai servir de prostituta na Suíça. Todavia, ao contrário do fim trágico que normalmente se espera, esta viagem faz nossa protagonista vivenciar um novo mundo de autodescobertas e possibilidades.

O tom de autoajuda, comum em Paulo Coelho, está presente basicamente em toda a obra e alguns leitores podem até mesmo ficar cansados dos monólogos de plena sabedoria em que os personagens se colocam em vários momentos da história. O ar fantasioso de “Onze minutos” também pode incomodar muitos, na medida em que nossa personagem principal, uma jovem sozinha em um país estrangeiro, conhecendo uma língua obscura, sem instrução ou contatos que possam lhe ajudar, ainda assim consegue vencer na vida e estar nesse estranho mundo de forma natural. Tal surrealidade com certeza incomodará aqueles carentes de uma pouco de veracidade, mas agradará a maioria que não se importa com um pouco de fantasia em meio a suas histórias.

Em todo o caso, pontos valorosos devem ser destacados. O primeiro é o próprio poder de pesquisa do autor, que passeia por tradições místicas dos mais diversos pontos do mundo, recheando “Onze Minutos” daqueles extensos monólogos de sabedoria oriental e ocidental que, apesar de chatos para alguns, são imensamente interessantes para outros. Outro ponto importante na obra de Coelho é o próprio ensinamento de tolerância e respeito que cada um de seus livros traz. Em um mundo em que os movimentos fundamentalistas crescem e as raízes da intolerância parecem firmemente fincadas no solo, obras como esta são importantes, primeiro por trazerem mensagens valorosas e segundo por serem transmitidas por alguém que tem o domínio de uma boa oratória, capaz de convencer e comover os corações mais duros e as racionalidades mais intransigentes.

domingo, 2 de setembro de 2012

Resenha: Travessuras da menina má, de Mario Vargas Llosa

“Travessuras da menina má” teria tudo para ser uma história de amor clichê, com um enredo previsível e comovente, mas a habilidade de Llosa não decepciona seus fãs e faz deste livro uma ótima história que mescla realidade e ficção ao nos apresentar ao mundo das décadas finais do século XX. A relação que se estabelece entre Ricardo e Lily representa os dois polos máximos de uma complicada história de amor. Ele, acomodado e certinho, ela, inescrupulosa e ambiciosa; ele completamente apaixonado e dependente; ela, livre e desimpedida; ele, fazendo de tudo para estar perto dela e ela esperando apenas o abaixar de sua guarda para fugir sem deixar vestígios.
O romance de Lily e Ricardo, muito bem tecido, com reviravoltas e momentos de puro ódio e condolência por parte do leitor que, inconformado com a burrice do mocinho, ainda assim não consegue deixar de torcer por ele e, indignado com a falta de consideração de Lily ainda assim não consegue tirar dela toda a razão, apesar disso me parece mais um pretexto do que propriamente o núcleo central desta história.
Digo isso por que, enquanto temos um homem que persegue sua amada pelos quatro cantos do mundo, o que nos é apresentado é um mundo complexo e heterogêneo, lugares tão distintos e fascinantes que parece incrível pertencerem a um mesmo universo: “a Paris revolucionária dos anos 60, a Londres das drogas, da cultura hippie e do amor livre dos anos 70, a Madri dos anos 80”. Todos esses cenários fascinantes me fazem crer que o objetivo o livro, mais do que nos contar uma história, seja nos mostrar o mundo que deixamos para trás, o mundo que o autor viveu e conheceu e que, por mais que seja amplo, como nos demonstra o livro, ainda assim é incompleto, pois não é capaz de nos apresentar outras inúmeras regiões que sequer temos a capacidade de imaginar como sejam. Neste sentido, a curiosidade de Lily em aventurar-se neste mundo reflete um pouco daquela que parece fazer parte do próprio autor e, acredito, daqueles leitores a quem interessarem em se aventurar por esta obra.