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terça-feira, 20 de novembro de 2012

Resenha: A árvore generosa, de Shel Silverstein.



Escrever literatura infantil é um verdadeiro desafio. Se por um lado é necessário suavizar a escrita para adaptá-la a um publico inicial, por outro também não se deve subestimar a capacidade cognitiva das crianças e apresentar um trabalho medíocre. Já vi muitos livros infantis que, por menosprezarem a criança, acabam por criar uma historinha tosca, recheada de desenhos sem muito cuidado estético, mas intensamente coloridos apenas para chamar a atenção, livros que qualquer macaco treinado poderia fazer melhor. O que é algo intensamente triste, pois menospreza um público que deve ser bem preparado e convidado ao hábito de ler.
Mas fico feliz em apresentar um livro que foge a esta regra. Shel Silverstein foi realmente feliz em sua “Árvore generosa”, um trabalho bonito, que mescla história simples e reflexão apurada, com uma moral intrínseca que é capaz de fazer pensar e, por pensar, até mesmo chorar.
O livro narra a história de amor do menino e sua árvore. Sobre amor, pode-se entendê-lo de duas formas distintas. Um que quer ter, o outro que quer oferecer, um interesseiro, outro desprendido, um egoísta e outro altruísta. O livro, além de uma lição de educação ambiental, é também um aprendizado acerca das relações humanas, da utilidade que damos ao outro, seja humano, seja outra coisa.
Uns querendo tanto e outros tão pouco para serem felizes. Relações que são construídas e destruídas pelo tempo, pelas mudanças. E principalmente a capacidade de se dar valor as coisas, mesmo quando aparentemente já perderam todos os seus potenciais. Estas são apenas algumas das lições encontradas por aqueles que se aventurarem por estas páginas.
Uma leitura ágil, cativante, que com certeza agradará muitos grupos etários. Bom para se ler sozinho, mas melhor acompanhado, importante de se ler para si, mas ainda mais importante ler para os outros. Sem dúvidas um livro que deve ser compartilhado de forma generosa.

Resenha: Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago



Saramago sai da vida e entra para a história e este livro, prêmio nobel de literatura, faz jus à condecoração e à memória do autor, tornando Saramago, além de grande escritor, um alvo difícil para se esboçar uma boa crítica. Pois ao falar deste autor é realmente complicado não cair no elogio exacerbado devido a eminência de sua obra, como também é quase impossível eu, reles escritor iniciante, fazer algum comentário que não seja elogioso sem levantar as réplicas do tipo: “e quem é você para criticar Saramago?”
Bem, a verdade é que nesta resenha não pretendo esboçar grandes críticas ou apontar defeitos, pois de fato gostei da obra. Na verdade, nem sei porque afinal fiz tamanha digressão, mas achei importante fazê-la. Usufruo deste direito, tal como Saramago ao escrever seus trabalhos, pois as vezes breves digressões falam mais do que o próprio assunto principal. Enfim, sem mais delongas, vamos à obra.
“Ensaio sobre a cegueira” é um romance com potenciais fantásticos, onde uma enfermidade misteriosa, caracterizada como “mal branco” e com potenciais de se tornar uma doença de caráter global, deixa cega boa parte da população portuguesa. Preocupadas, as autoridades decidem por confinar em quarentena os grupos humanos doentes e com risco de contágio, de forma a conter uma possível pandemia. E neste universo paralelo, sem contato com o mundo exterior que não seja na forma de suprimentos anônimos e guardas armados que vigiam as saídas, os confinados vivem uma sub existência onde a cegueira física em nada se compara a cegueira da alma.
Com personagens anônimos, cognominados apenas pela sua função social ou característica física marcante – a mulher do médico, o garoto estrábico, o primeiro cego – a narrativa se desenvolve. Nele, estes personagens desprovidos de identidade, apresenta-se este mar humano que é a nossa sociedade de hoje, onde o indivíduo perde sua caracterização pessoal e é englobado pela massa.
A mulher do médico, única personagem a manter a visão em meio ao caos, nos mostra, nas palavras do próprio autor, “a importância de se ter olhos quando os outros já os perderam”. A capacidade de ver, e não só olhar, de reparar, e não apenas ver. Níveis de visão que são esquecidos por nós, que olhamos sem ver, que vemos sem enxergar.
Sem dúvidas é uma obra com plenos potenciais e que obviamente todos eles não são atingidos. Nesse sentido, o fato de o título trazer o nome de um “ensaio” não é gratuito, pois Saramago não está preocupado em realizar uma narrativa fechada, que faça pleno sentido em sua totalidade e deixe amarrado todo e qualquer nó solto que possa aparecer. Pelo contrário, ele se permite perder completamente em meio a sua história. Coisas não são explicadas, personagens não são plenamente trabalhados. Existem lacunas que nós, leitores ávidos, podemos preencher a nosso bel prazer, realizando ensaios dentro do ensaio.
Enfim, uma obra magistral. Absolutamente densa, como todo o trabalho deste português, mas proveitosa e que deixa marcas do começo ao fim, e para além dele. Dos livros de Saramago, este foi o que tive mais dificuldade de ler. Demorou-se em demasia passar pelo mar turbulento de seus personagens e sua escrita marcadamente erudita e singular. Mas este foi absolutamente um trabalho que deu gosto de realizar e ao fim da história, aquele gosto de que havia conquistado um dos topos do mundo literário.


domingo, 18 de novembro de 2012

Escola Municipal Goethe

Quinta feira, dia 06 do presente mês. Recebi um convite que me deixou ao mesmo tempo surpreso e comovido. Tal reação se deveu em primeiro lugar porque, apesar de estar me lançando na vida literária há mais de dois anos, confesso que ainda me considero um amador no universo das letras. E por conta disso, a solicitação da professora Denise, guardiã da Sala de Leitura Cecília Meireles, da Escola Municipal Goethe, em me apresentar para seus alunos como escritor fantástico me pegou desprevenido.
Em segundo lugar, pois, mesmo atuando na escola há alguns meses, onde exerço a função de professor, e por conta disso já possuo uma relação até certo ponto próxima com os alunos, nenhum destes até então conhecia meu lado ficcional, ou minha paixão pelos livros que só se salientava no cuidado que tenho para com o acervo da sala de leitura. E neste momento, choveram-se as surpresas. Deles, por terem um escritor tão próximo, e minha por de repente ser alvo de tanto interesse.
Mentes jovens, em fase de maturação, que ainda são capazes de enxergar na fantasia algo que vai além da mera ficção. Que são abertos para se envolverem ao ouvir alguém lhes contando uma história, que não têm vergonha de esboçar uma reação de surpresa, medo ou graça ao se deparar com um momento da história em que tais sensações são ativadas. Com certeza, mentes que ainda estão abertas à capacidade de viajar...
As “entrevistas”, se realizaram com as duas turmas do quinto ano (manhã e tarde) e como manda a idade, a curiosidade fez brotar perguntas que – perdão pela tautologia – eram extremamente curiosas. Passando pelo meu trabalho à minha vida pessoal, a interação com os alunos foi divertida, amena e revigorante. E suas marcas são sentidas até o presente momento, em que finalmente sento para escrever sobre.
A experiência foi, sem dúvidas, maravilhosa. O carinho, a expectativa e a curiosidade emanada pelos alunos me fez reviver uma paixão pelo meu próprio trabalho. E esses momentos são sublimes. Quando podemos renovar a emoção por aquilo que fazemos, como se na verdade fosse a primeira vez em que nos colocamos a prova. As questões levantadas e as interpretações lançadas por mentes tão jovens e, por serem tão jovens, enxergam coisas que a racionalidade da vida adulta não nos permite.
Com certeza saí dessas visitas com um novo olhar sobre “O Véu”, enxergando-o como um livro novo e que por conta disso deve ser revisitado. E por conta de tando carinho, só tenho a agradecer. Agradecer a professora Denise pelo convite, à equipe da escola Goethe pela refúgio, aos alunos pela calorosa recepção, mas acima de tudo, agradeço a essa energia provocada pelo mundo da fantasia que, mesmo que de forma diferente, é capaz de mexer com os ânimos e as aspirações das pessoas.