Um dos pontos mais interessantes na
literatura - creio na verdade que seja de toda a forma de arte - é a capacidade
que ela tem de gerar uma pluralidade de interpretações acerca de um mesmo fato.
Basicamente, cada leitor tem seu papel ativo na hora de se aventurar pelas
páginas de um livro. Ativo, porque ele não apenas recebe as informações
passadas pelo autor, como se o processo de leitura fosse uma via de mão única,
mas sim as pondera e recria de acordo com suas experiências e expectativas. Nesse
sentido, não é de todo o incomum que aconteçam sérios debates acerca de
interpretações envolvendo grandes sucessos, de crítica ou de público.
O universo das Fanfics vem
inclusive apresentar um novo tipo de leitor: o leitor co-autor. Nesses
trabalhos, em sua maioria feitos de forma amadora, percebemos como muitos
personagens são vistos por aqueles que lêem sobre eles. Como suas
características são realçadas ou suprimidas, como alguns de seus vícios e
virtudes enfatizados em detrimento de
outros. Tudo para refletir a imagem que esses co-autores adquiriram de seus heróis
ou vilões favoritos. Desta maneira,
acreditar que um autor tem total controle de sua história nada mais é do que um
ledo engano. Pois a partir do momento em que se depara com o público, todo e
qualquer controle que ele poderia ter sobre o caráter de seus personagens ou
sobre o enredo de sua trama se perde.
Sendo assim, creio que quando lidamos com questões
de adaptação, estamos meramente dentro do território da interpretação. Um filme
inspirado em um livro, uma séria baseada em histórias em quadrinhos, todas são
maneiras de interpretar e resignificar uma obra. Desta maneira, exigir que um
trabalho inspirado em outro, seja uma reprodução fidedigna do original, nada
mais é do que castrar a originalidade que este tipo de trabalho também possui.
Pois também há criação em adaptar, há mudanças. Como em uma fanfic, em
que formamos situações novas para personagens antigos, em um filme, o
roteirista também vai gerar situações que ele acredite que determinado herói
poderia ter vivido, e que talvez o autor não o tenha explorado.
Basicamente, podemos dizer que a única
diferença entre as fanfics e os trabalhos adaptados é que esses últimos
contam com maiores recursos e por isso são divulgados em mídia maior, se
tornando mais conhecidos. E sendo mais conhecidos, são mais fáceis de serem
criticados também.
Falei um pouco sobre isso em um artigo
mais antigo (Livro vs Filme), que o motivo de muitas vezes gostarmos mais do livro do que do
filme é por que no livro temos a liberdade para criarmos o mundo apresentado pelo
autor a nossa maneira. Já quando vemos o filme, essa criação já foi concebida
por um roteirista que, assim como nós, antes foi um leitor e criou e significou
o mundo literário a sua maneira. Nesse sentido, perdemos o poder de criação que
temos quando a história está apenas na relação entre nossa imaginação e as
páginas.
Então galera, vamos parar de querer que as
adaptações sejam iguais aos livros. Elas não devem ser. Assim como não gostamos
quando alguém quer nos forçar a entender uma obra a maneira dos outros, também
não é legal querer limitar o processo criativo dos outros. Quando o assunto é
interpretar, cada um vai ter a sua maneira. E eu defendo que ninguém – nem
mesmo o autor ou autora originais do trabalho – possui o direito de se meter
nisso. P. S, Até por que, se eles quisessem que suas obras não tivessem
interpretações que detergissem de suas expectativas, era simples: bastava não
publicá-las.
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